Eu sou completamente fascinado por Olimpíadas, especialmente pelos esportes que são definidos por uma irrelevância apenas possível pelo desenvolvimento da tecnologia: números decimais que nada significam ao olho nu, como o milímetro de braçada que alcança a água e determina que tal nadador é mais rápido que o segundo nadador, que foi zero vírgula zero vírgula zero um segundo mais lento.
Esse drama, produzido de certa forma pela interação entre homem e máquina, é tão bonito quanto patético e, por isso mesmo, está entre as coisas mais interessantes que um esporte de alta performance pode produzir.
Claro que, a depender do esporte, esse fragmento imperceptível do tempo é questionado. Veja o futebol, por exemplo: o impedimento do atacante que está a um pedacinho de joelho à frente do defensor produz alguma vantagem ao atacante? De forma alguma. No entanto, falando sobre drama, convenhamos que o VAR acrescentou muito nesse quesito.
É gol! Opa, ô juiz, peraí, parece que o VAR tá checando alguma coisa. Jogadores se aglomeram, torcida xinga, pragueja ou torce, narrador ganha tempo, comentaristas tentam prever, olha lá o replay, close na cara do torcedor falando palavrão, close no jogador dando uma escarrada gorda no chão, treinador aproveita para dar as instruções (talvez já tenha percebido que estamos num campeonato brasileiro, onde a revisão lenta permite esse conjunto de ações). Lá vem o gráfico traçar as linhas: primeiro a linha azul, depois a linha vermelha e, pronto, tá confirmado, a pontinha da chuteira do atacante está zero vírgula zero vírgula zero um centímetro na frente do defensor, é impedimento: alívio de uns, revolta de outros, mas no fim fica aquele subtexto de que a tecnologia não mente. A regra pode estar errada, mas a linha lá, pô, a linha lá é coisa de computador e não tem como errar.
Vamos fingir que a tecnologia não pode falhar, pois de fato ela se torna essa coisa chata baseada na precisão, enquanto o ser humano não. É essa interação entre algo feito para nunca errar (a tecnologia) e outra coisa determinada pela sua capacidade de falhar (o humano) que produz histórias que não poderiam existir em outro tempo.
Pense bem: o atleta treinou arduamente por anos, superou diversas etapas de classificação e conseguiu participar das Olimpíadas. Então ele fica dois décimos de segundo atrás do fulano de tal. Você consegue me explicar racionalmente que tipo de mudança de treino significaria a mudança de performance de dois décimos? Que tipo de autocrítica seria essa? "Nossa, eu deveria ter feito isso e isso, e aí eu seria dois décimos de segundo mais rápido."
No entanto, o surpreendente é que esse treino existe. O atleta, sei lá como, vai praticar e poderá superar sua marca no próximo salto, na próxima braçada. É uma dimensão diferente, essa dos grandes atletas. Eu não serviria nem pra ser juiz. Pra mim, tá tudo bem, tá tudo lindo: o cara salta na piscina e cai igual uma jaca, é nota 10; subiu na trave e caiu depois, é 15; ficou parado em cima do skate, é 20.
Claro, há esportes dominados por personagens absurdos, muito além do resto dos competidores, gente há 14 anos sem perder, campeões inquestionáveis. Admiro estes, mas celebro mesmo aqueles do pelotão que vem logo depois, a mistureba de corredores se esgoelando, tentando esticar o nariz para marcar a diferença abissal entre ser décimo quarto e décimo quinto colocado.
São nessas figuras dramáticas que reside o tão falado espírito olímpico, esse vulto agora captado em milhares de frames por segundo, nos assombrando na dimensão das falhas insignificantes e decisivas, ridículas e dramáticas.
realmente, não sei que diferença milésimos de segundo são capazes de produzir em termos de vantagem para alguém. desconfio fortemente que nenhuma. 😅
Tem que acabar o VAR!